A ANAM reuniu em mais uma iniciativa “ANAM em Diálogo”, onde contou com a presença de diversos representantes das Assembleias Municipais da Região Autónoma da Madeira.
A direção da Associação Nacional de Assembleias Municipais esteve reunida no Funchal, com os presidentes das Assembleias Municipais da Região Autónoma da Madeira, no âmbito da “ANAM em diálogo”, uma iniciativa que tem percorrido os vários distritos do país.
A reunião permitiu a todos os presidentes das Assembleias Municipais da região autónoma colocarem dúvidas, exporem os seus pontos de vista e explicarem a condução dos trabalhos nas reuniões das respetivas assembleias municipais, que diferem nos 308 municípios do país, mas também permitiu à direção nacional da ANAM fazer um balanço do que já realizado e de transmitir os desafios que a associação tem pela frente, em prol da dignificação, valorização e eficácia das Assembleias Municipais.
Poder periférico
Albino Almeida, presidente da ANAM, transmitiu um sentimento comum à grande maioria dos presidentes das Assembleias Municipais que foram auscultados nos 17 encontros das AM – faltam o Distrito de Bragança e a Região Autónoma dos Açores para completar o território nacional – o sentimento de que apesar de serem a «casa de democracia do poder local, terem estado na periferia, tal como as próprias regiões autónomas, em relação ao poder autárquico». O presidente da ANAM reclama, por isso, um papel mais central para este órgão eleito, mas também novas condições objetivas para o exercício desse novo papel.
Prof. Luís de Sousa
O encontro no Funchal foi enriquecido por uma conferência do professor e politólogo Luís de Sousa, subordinada ao tema “Da cortesia de quem governa ao direito de quem opõe: a evolução do Estatuto do Direito da Oposição nos Municípios Portugueses”, num espaço onde estiveram representantes das dez Assembleias Municipais associadas (Funchal, Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Calheta, São Vicente, Porto Moniz, Santana, Machico, Santa Cruz e Porto Santo,) das onze assembleias existentes no arquipélago.
«Defendemos muito que as assembleias devem ter condições de escrutinar, acompanhar e de serem muito exigentes no trabalho dos executivos, para evitar que depois os tribunais fiquem enxameados de processos que, muitas vezes, não dão em nada, mas que, pelo caminho, “dão cabo da vida das pessoas”, tornando que um dia destes ninguém queira vir para o exercício público da política, porque não está para ser permanentemente incomodado e enxovalhado. Acreditamos que isso só acontece porque ainda há instrumentos normativos que são pouco exercitados, dos quais se deve destacar o relatório do direito à oposição», acrescentou.
Entre o conjunto de problemas objetivos a que aludiu e que as assembleias têm encontra-se também a circunstância de não haver uma «unidade técnica orçamental», equiparada nas funções à que existe na Assembleia da República, para o que a ANAM propõe que tal trabalho seja entregue ao revisor oficial de contas, eleito em cada Assembleia Municipal, para a certificação das contas municipais.
Na proposta da ANAM, o Revisor Oficial de Contas seria, pois, o que já é eleito nas assembleias municipais, acrescentando ao contrato a missão de explicar aos deputados as contas do município.
«Os deputados são, felizmente, emanação do povo e, portanto, não têm todos de ter uma formação académica, intelectual ou outra que lhes permita fazer a descodificação desses documentos», justificou, comparando, em seguida, as frágeis condições técnicas do poder local face ao poder central, nomeadamente no poder deliberativo.
«Os deputados da Assembleia da República têm uma parafernália de apoios e assessorias, mas a nível municipal não os há». Ora, muitas vezes, apenas «têm 72 horas para ler e depois votar um documento estrutural com centenas de dados e mapas, sem tempo para perceberem e se esclarecerem aquilo sobre o que deverão votar em consciência e com consequências», explicou.
A «democracia tem de se defender, tornando-se cada vez mais exigente», concluiu.
Escolas de democracia
Por outro lado, Albino Almeida pretende que as Assembleias Municipais se tornem cada vez mais «escolas de democracia», defendendo que, no futuro, quem pretender chegar à governação central deve ter currículo de trabalho efetivo nas autarquias, desde logo nas assembleias municipais.
Seguindo tema da conferência de Luís de Sousa sobre o direito da oposição, o presidente da ANAM advogou que os portugueses têm de se habituar a dar valor ao relatório do direito das oposições.
O direito de escrutinarem o bom uso dos dinheiros públicos e questionarem as opções e decisões dos executivos municipais.
Decorre e concorre para tal exercício a imprescindibilidade de os eleitos locais conhecerem mais e melhor o seu Estatuto dos Eleitos Locais, pois «a maior parte dos eleitos locais não conhece esse Estatuto», afinal o documento que os rege.
O presidente da Associação Nacional de Assembleias Municipais referiu no encontro do Funchal, que o modelo autárquico deve caminhar para se aproximar de modelo nacional de funcionamento em matéria de poder legislativo e poder fiscalizador da ação executiva. «Há mudanças que têm de acontecer na lei, nas autarquias, que as aproximará mais do modelo nacional. É isso que está em cima da mesa», disse, reportando a um debate promovido pela ANAM, no qual se verificou uma grande convergência para que no futuro os executivos camarários devam sair das assembleias municipais.
Neste encontro, o presidente da ANAM demonstrou em vários factos a sua convicção que os «tempos vão mudar com a descentralização do país». Nesse sentido convidou todas as assembleias municipais a concorrem aos prémios da associação com as suas “boas práticas”, e elogiou o trabalho que as assembleias municipais da Madeira estão a fazer, nomeadamente na área da educação.
Estatuto do Direito da Oposição
A relação entre os executivos municipais e as oposições em Portugal tem «um maior pendor conflitual do que cooperativo», concluiu um estudo do professor e político Luís de Sousa, apresentado durante a conferência “Da cortesia de quem governa ao direito de quem opõe: a evolução do Estatuto do Direito da Oposição nos Municípios Portugueses”.
A conclusão do estudo, promovido pela ANAM, resulta das respostas dadas pelos presidentes das Assembleias Municipais a um inquérito, datado de 2018, e em que ficou exposto que haver um maior pendor conflitual na relação entre os poderes nas assembleias «azeda o ambiente de trabalho». «Quando numa instituição o mais importante é a discussão dos procedimentos, do regimento, da disciplina, das regras, etc., algo está mal, porque o que devíamos estar a discutir na assembleia são as opções políticas», afirmou o conferencista.
Falando sobre o estatuto da oposição no poder local, Luís de Sousa enquadrou que as principais referências internacionais do parlamentarismo – a União Interparlamentar e o Conselho da Europa – e ainda a Constituição Portuguesa consagram «o direito da oposição se organizar, de funcionar e de se exprimir de forma livre num ambiente democrático».
O direito da oposição no poder local viveu duas fases em Portugal. A primeira alongou-se de 1977 até à revisão constitucional de 1989, mas a segunda teve de aguardar quase dez anos para ser regularizada, quando saiu a lei em 1998, que permitiu operacionalizar a regularização do direito da oposição dos municípios portugueses, onde constam os direitos à informação, de consulta prévia, de participação e de depor e tribunais.
A propósito de processos judiciais, Luís de Sousa disse que, por vezes, a política se «”coloca a jeito” ao “empurrar” para órgãos exteriores, nomeadamente para o poder judicial, a resolução de problemas que lhes compete a eles, nomeadamente em matéria de ética».
Importância da qualidade das instituições
Por outro lado, durante a sua palestra Luís de Sousa chamou a atenção para a importância da qualidade das instituições, e como essa circunstância pode contribuir para ultrapassar dificuldades. No contexto europeu, «os países que se preocupam em refletir e investir na qualidade das instituições e dos processos durante a fase de crescimento criam almofadas para os períodos de crise», declarou.
«O problema não é haver insatisfação em períodos de crise. Tanto há em países desenvolvidos como em países menos desenvolvidos, em países com maior ou menor democracia. A questão é que aqueles que fizeram investimento na qualidade das instituições têm esse amparo em momentos de crises e sabemos que são nesses períodos que se podem gerar ruturas sistémicas que vão ter impactos brutais ao nível da reputação do país», advertiu.
Replicar “não é bom princípio”
Relativamente ao debate da reforma do poder local no país, o conferencista entende que este tem estado centrado no equilíbrio «dos dinheiros e da transferência de competências, chutando para canto as questões que têm a ver com o “desenho institucional e com a dinâmica política» do poder local.
Luís de Sousa discorda também de uma reforma que seja pensada para replicar para o país inteiro as soluções encontradas para os grandes municípios das áreas metropolitanas: «não é um bom princípio. O “copy-paste” às vezes resulta outras vezes não, mas cria mais problemas do que soluções», afirmou, elogiando a decisão da ANAM de promover o debate e a reflexão dos problemas, algo que até à criação da associação “nunca [tinha sido] facilitado pela Associação Nacional de Municípios».
«A ANAM tomou essa iniciativa, e eu considero que, num curto espaço de tempo, tivemos já várias sessões onde abordamos, por exemplo, a relação entre executivo e oposição no poder local, o respeito sobre os direitos da oposição, questões que têm a ver com transparência dos processos de decisão e a participação e inclusão dos cidadãos nos processos deliberativos municipais. Portanto, tudo questões que estão em torno da reflexão da democracia local», enfatizou.